Fio da Vida.

          Quando criança minha mãe compensava as ausências com brinquedos. Aprendi a aceitar o que ela podia me oferecer, enquanto crescia com um grande sentimento de rejeição. Quando me sentia triste e sozinha pedia por um brinquedo novo, e assim começou uma relação de consumo relacionada com emoções fragilizadas e carentes.

          Esse buraco invisível crescia, enquanto eu vivia uma relação de escoamento da infância. Filha única, sobrevivi a violências de ausências que me marcaram e deram trabalho para sanar na vida adulta. Para minha sorte e crescimento, nessa investigação pessoal encontrei aprendizado, compreensão e escuta com o que me tem valor.

          Da experiência do brincar me pergunto o quanto um consumo exacerbado pode desestabilizar a qualidade das experiências. Sendo a criança semente de potenciais, beleza, alegria, inteligência, criatividade, tudo o que ela pode vir a ser e nós ainda não podemos sequer imaginar, pede espaço para brotar através dos suportes que ela utiliza para explorar e se apoiar criativamente, estruturando seu entendimento de mundo e afetos.

          Nessa sustentação de mundos, penso o brinquedo como algo inacabado, onde a ativação e completude se dá pelo corpo, gesto e desejo da criança em criar relações das mais diversas.

          Quando esse brincar vem acabado, pronto, determinista, sem porosidade e espaço ao fazer da criança, me questiono se ao invés de ampliar possíveis, não me encontro perante um ceifador de mundos, principalmente quando se trata de ter ou não ter, criando hierarquias e destituindo o encontro de valores significativos.

barquinho à mãoTodos os dias colocamos os centros de brincar, juntos. Observo como cada criança organiza o espaço dos bichos. Nesse momento escuto um pedido de afeto, toque, presença.

Os bichos sempre acabam amontoados, juntos, abraçados em suas pelúcias,

em outros casos,

milimetricamente ajeitados ou espalhados.

É bonito acompanhar a delicadeza de como cada criança cuida do seu mundo e do que tem valor.

Deixo uma pergunta a ser feita perante o brinquedo:

Habita aqui um fio da vida que mobiliza a criança a tecer seu tempo e espaço de crescer?

 

Li Scobár

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